terça-feira, 9 de dezembro de 2014

TERCEIRIZAÇÃO

REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9a REGIÃO
V.4 - N. 35 - Novembro de 2014
arquivo integral
Link da página do Tribunal



Alguns artigos da Revista (disponíveis nos links acima):

  • » A Terceirização e o Descompasso com a Higidez, Saúde e Segurança no Meio Ambiente Laboral - Responsabilidade Solidária do Tomador do Serviço a partir das Normas de Saúde e Segurança no Trabalho - Francisco Milton Araújo Júnior
  • » Reflexões sobre Três Temas Polêmicos: Terceirização, Liberdade de Contratar e Pleno Emprego - Kátia Magalhães Arruda
  • » A Terceirização e o Papel dos Tribunais no Controle das Práticas de Precarização do Trabalho - Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva
  • » A Regulamentação da Terceirização de Serviços - Aspectos Críticos - Fabio Goulart Villela
  • » Terceirização ? Instrumento de Exclusão Social e de Precarização do Trabalho - Jane Salvador de Bueno Gizzi e Ricardo Nunes de Mendonça
  • » A Responsabilização Objetiva da Administração Pública nos Contratos de Terceirização Frente a Convenção nº 94 da OIT - Igor de Oliveira Zwicker
  • » Terceirização na Administração Pública: Breves Reflexões Críticas - Luciano Elias Reis
  • » O Supremo e a repercussão geral no caso da terceirização de atividade-fim de empresas de telecomunicações: o que está em jogo? - Vitor Filgueiras e Renata Queiroz Dutra
  • » A Terceirização e as relações humanas e de trabalho - Paulo da Cunha Boal


  • quarta-feira, 1 de outubro de 2014




    Ilan Fonseca*
    O objetivo deste texto é discutir o padrão de atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) no sul do Estado da Bahia, especificamente em relação às empresas do ramo da construção civil, através da análise de procedimentos instaurados por conta de violações à legislação trabalhista no período de 2005 a 2013.
    Como esta instituição reagiu ao descumprimento de normas trabalhistas praticado pelos empregadores do setor da construção civil na região? O MPT tem conseguido frear o descumprimento da legislação?
    Dentre o universo de 2002 procedimentos instaurados entre os anos de 2004 a 2013 na Procuradoria do Trabalho no Município de Itabuna (PTM), vinculada à Procuradoria Regional do Trabalho da 5ª Região (PRT-5 Bahia), selecionou-se uma amostra prévia contendo 126 procedimentos utilizando-se as chaves de busca nominal acima referidas. .No entanto, 53 desses procedimentos não puderam ser analisados, ou por que foram instaurados por equívoco e sumariamente desativados no sistema, ou ainda porque eram inquéritos replicados, ou porque houve um cadastramento incompleto de documentos. Chegou-se, portanto, ao número de 73 procedimentos cujo conteúdo foi analisado para aferir o comportamento empresarial e a postura do MPT em sua regulação.
    Não houve diferenciação quanto ao tipo de infração cometida na análise destes procedimentos: eles abarcam tanto infrações trabalhistas relacionadas à falta de registro de empregados, exploração de trabalho infantil, ou mesmo relacionadas a condições inseguras de trabalho. No entanto, a pesquisa permitiu aferir que as infrações predominantes foram relacionadas à segurança do trabalhador da construção civil, especificamente, pelo descumprimento de itens da NR-18.
    O comportamento padrão do MPT consistiu na convocação do infrator para assinar um TAC. Esse comportamento hegemônico não fez distinção entre a forma como a denúncia chegou no órgão (Ministério Publico do Estado, Polícia Civil, MTE ou trabalhador), nem fez distinção entre a maior ou menor gravidade da infração cometida (desde emissão de atestados de saúde ocupacional até acidentes fatais).
    Em nenhum dos 73 casos apurados houve ajuizamento de ACP como primeira opção para o saneamento das infrações apuradas.
    Desse mesmo total de procedimentos, o MPT convocou 43 investigados para propor um TAC (58%). Nas outras hipóteses (30), medida diversa foi adotada – nova requisição de ação fiscal, fazendo com que o procedimento continuasse em andamento, ou arquivamento posteriormente por outros motivos.
    A maioria das empresas infratoras, após o convite, aceitou firmar um TAC. De um total de 43 propostas de TAC realizadas, em 31 delas (72%) as empresas aceitaram firmar o acordo.
    Em 12 hipóteses (28%) houve manifesta recusa do empregador em firmar um TAC, mas nenhuma dessas negativas do infrator implicou em ação judicial (100%).
    de um total de 31 TACs firmados com as construtoras, em apenas 3 deles existiu alguma previsão de pagamento pecuniário decorrente do descumprimento pretérito da legislação (indenização prévia do dano moral coletivo). Dentre estes, em um deles, o dano moral coletivo prévio não foi quitado pela empresa compromissária; o outro foi quitado parcialmente, até agosto de 2013, tendo sido novamente descumprido; enquanto o terceiro procedimento contou com quitação efetiva através da aquisição de bens e equipamentos
    Dos TACs assinados, 10 foram fiscalizados, sendo que dentre estes houve a verificação formal do seu cumprimento em apenas 2 (duas) hipóteses.

    Para um total de 8 TACs formalmente descumpridos, em nenhum deles houve ajuizamento de ação de execução na Justiça do Trabalho buscando cobrar as multas devidas, até agosto de 2013

    *Procurador do Trabalho

    sexta-feira, 15 de agosto de 2014


    Trabalhadores mais próximos da escravidão e morte

    Vitor Araújo Filgueiras[1]

    Este artigo analisa a relação entre a terceirização e os dois limites da relação de emprego: a dignidade e a própria vida dos trabalhadores.
    Esses limites são os extremos que a exploração do trabalho pelo capital não pode transcender, sob pena de extinção da relação de emprego estabelecida.
    O desrespeito à dignidade das pessoas que vivem do trabalho tem como limite no Brasil o trabalho análogo ao escravo, crime previsto no artigo 149 do Código Penal que, se praticado pelo empregador, extingue o contrato de emprego firmado.
    A vida é o limite físico da extração da riqueza social produzida pelo dispêndio de energia do corpo e da mente dos trabalhadores.
    O principal argumento defendido neste texto, com base em uma série de indicadores, é que existe forte relação entre a terceirização e a ocorrência de trabalho análogo ao escravo e acidentes de trabalho fatais no Brasil.
    Isso porque, enquanto o trabalho análogo ao escravo e a vida dos trabalhadores constituem limites da relação de emprego, a terceirização é uma estratégia de gestão do trabalho que objetiva justamente driblar limites impostos ao assalariamento (sejam eles advindos dos sindicatos, do direito do trabalho, etc.). É essa relação que explica a ampla prevalência de trabalhadores terceirizados entre aqueles que morrem trabalhando e que são submetidos a condições análogas à de escravos.
    No que concerne ao trabalho análogo ao escravo, este artigo se baseia no universo dos relatórios de ações do Ministério do Trabalho. Trata-se da totalidade dos resgates ocorridos no país em 2010, 2011, 2012 e 2013.
    Para análise dos acidentes, foram utilizadas todas as Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT) emitidas no Brasil em 2013, informações do INSS, dados dos empregos formais do IBGE (referentes ao final de 2013), baseados na RAIS, além de relatórios da Fiscalização do Trabalho referentes a acidentes fatais ocorridos em 2013.





    [1] Doutor em Ciências Sociais (UFBA), pós-doutorando em Economia (UNICAMP), Pesquisador de Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP, auditor fiscal do Ministério do Trabalho, integrante do grupo de pesquisa “Indicadores de Regulação do Emprego”, sendo o presente texto desenvolvido no curso das atividades do grupo (http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br).
    Agradeço aos colegas Marco Rocha, Gentil Santana e Cézar Araújo, pelas informações compartilhadas. 

    segunda-feira, 21 de julho de 2014

    Seminário - A terceirização no Brasil: Impactos, resistências e lutas



    O Fórum Nacional Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, em parceria com o Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania”, vinculado à Faculdade de Direito da UnB , convidam para o Seminário "A Terceirização no Brasil: Impactos, resistências e lutas", a realizar-se nos dias 14 e 15 de Agosto de 2014, no Auditório do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em Brasília. 

    O evento, construído com o apoio da ANAMATRA, da ANPT, do CESIT, da OAB, da FES, da Industriall, da CONTRAF, da CUT, da Intersindical, da CSI e da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, tem como público alvo magistrados, parlamentares, procuradores e auditores fiscais do trabalho, advogados trabalhistas, pesquisadores e estudiosos do mundo do trabalho, lideranças sindicais, assessores jurídicos sindicais, trabalhadores, estudantes e representantes de movimentos sociais.

    Trata-se de evento acadêmico/político, com apresentação de pesquisas acadêmicas sobre o tema da terceirização, em seus vários aspectos, e com espaço específico à construção de alternativas ao problema, por parte das entidades que integram o FORUM e das entidades de assessoria sindical. O evento também oportunizará a discussão entre Ministros do Tribunal Superior do Trabalho - TST e Parlamentares sobre o tema da Terceirização. A abertura e encerramento do evento contarão com conferencistas, respectivamente, da área econômica e da sociologia (Professores Doutores Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo Antunes). 

    As inscrições podem ser realizadas no endereço eletrônico trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br e também no local do evento (A emissão de certificados ficará limitada aos inscritos previamente pelo site).

    Confiram a programação completa do evento:


    SEMINÁRIO "A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL: IMPACTOS, RESISTÊNCIAS E LUTAS"


    Primeiro dia: 14 de agosto de 2014

    14h - Abertura do evento
    Mesa Oficial de Abertura - Saudação dos organizadores e das entidades apoiadoras que compuserem a mesa (ANAMATRA, ANPT, CESIT, OAB, FES, Industriall, CONTRAF, CUT, Intersindical, Confederação Sindical Internacional - CSI, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília).

    14h30 – Painel jurídico
    Terceirização, limites jurídicos e normas internacionais de proteção ao trabalho.

    Coordenação - Paulo Schmidt, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – ANAMATRA

    Palestrantes – José Roberto Freire Pimenta, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, e Roberto Caldas, Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

    Debatedor: Luís Antônio Camargo de Melo, Procurador- Geral do Trabalho.

    17h30 – Coquetel


    18h – Conferência de abertura
    O capitalismo contemporâneo e seus impactos na regulação social do trabalho e a Terceirização.

    Conferencista: Prof. Dr. Luiz Gonzaga Belluzzo, Economista, Professor Titular aposentado do IE/UNICAMP, Professor e Diretor da Faculdade de Campinas/FACAMP, incluído no Biographical Dictionary of Dissenting Economists entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX e Prêmio Intelectual do Ano - Prêmio Juca Pato/2005.

    Coordenação: Profa. Dra. Magda Barros Biavaschi. Pesquisadora. Desembargadora aposentada (TRT4). Integrante do Fórum Nacional em defesa dos trabalhadores ameaçados pela terceirização.

    Debatedor: Ricardo Paiva, Representante do Movimento Humanos Direitos (MHUD)

    19h30 – Mesa: Poderes da República e Terceirização. Limites e regulação. A Repercussão Geral e seus significados

    Palestrantes: Paulo Renato Paim, Senador; Paulo Teixeira, Deputado Federal; Henrique Fontana, Deputado Federal; Mauricio Godinho Delgado, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho; e Kátia Magalhães Arruda, Ministra do Tribunal Superior do Trabalho.

    Coordenação: Carlos Eduardo de Azevedo Lima, Presidente da Associação Nacional de Procuradores do Trabalho - ANPT.

    Debatedor: Lélio Bentes Correa, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e Perito da Organização Internacional do Trabalho.

    Segundo dia: 15 de agosto de 2014

    Mesa 1 (8h30 – 10h30)
    A Terceirização e as Pesquisas Sociais - impactos no mundo do trabalho público e privado.

    Coordenação: Marilane Teixeira, Economista, Pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – CESIT/IE/UNICAMP.

    Apresentações:
    »» A Terceirização: Justiça do Trabalho e regulação: setor papel e celulose – Profª. Drª. Magda Barros Biavaschi, pesquisadora do CESIT/IE/UNICAMP sobre a Justiça do Trabalho e a Terceirização: “A Terceirização e a Justiça do Trabalho: diversidades regionais” e coordenadora do eixo terceirização do Projeto Temático “Contradições do Trabalho no Brasil Atual: formalização, precariedade, terceirização e regulação”. Desembargadora aposentada do TRT4 e Professora Colaboradora do IE/UNICAMP e do IFCH.

    »» A Terceirização no setor privado – Profª. Drª. Gabriela Neves Delgado, Professora Adjunta de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e líder do Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania” da Faculdade de Direito da UnB.

    »» Trabalho e subjetividade: efeitos da terceirização – Prof. Dr. Cristiano Paixão, Procurador do Trabalho, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e integrante do grupo de pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania”.


    »» A Terceirização no setor petroquímico – Profª. Drª. Maria da Graça Druck, Professora Associada III do Departamento de Sociologia da FFCH da Universidade Federal da Bahia, pesquisadora do CRH/UFBA e do CNPq. Líder do Grupo de pesquisa “Trabalho, precarização e resistências”.

    »» A Terceirização no setor bancário – Grijalbo Coutinho, Juiz do Trabalho e Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

    Coffee break

    Mesa 2 (10h45 – 12h45)
    A Terceirização, acidentes de trabalho e adoecimento: o sistema de fiscalização brasileiro.

    Coordenação: Luiz Salvador, Vice-Presidente Executivo da Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas – ALAL.

    Apresentações:
    »» Terceirização e os limites do assalariamento: mortes e trabalho análogo ao escravo - Vitor Filgueiras, pesquisador do CESIT/IE/UNICAMP, integrante do grupo de pesquisa “Indicadores
    de regulação do emprego no Brasil”, Auditor Fiscal do Trabalho.

    »» Adoecimento profissional e terceirização: indicadores – Profª. Drª. Margarida Barreto, Médica do trabalho, Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP, Vice-coordenadora do Núcleo de Estudos Psicossociais da Dialética Exclusão Inclusão Social – NEXIN/PUC/SP.

    »» As Ações Civis Públicas e o combate aos riscos criados pela terceirização – Prof. Dr. Ricardo José Macedo de Brito Pereira, Subprocurador do Trabalho, Pesquisador Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, co-líder do Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania”.


    »» A terceirização e os acidentes de trabalho no setor petroleiro – Anselmo Ruoso, Petroleiro e Dirigente Sindical (Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina).

    »» A terceirização e o adoecimento no setor bancário – Miguel Pereira, Dirigente Sindical, Secretário de organização do ramo financeiro da CONTRAF.

    INTERVALO PARA ALMOÇO

    Mesa 3 (14h30 - 17h)
    Terceirização e atores sociais e coletivos: estratégias e regulamentação

    Coordenação: representante do Grupo de Trabalho de Terceirização da CUT.

    Participação – integrantes do FORUM e entidades de assessoria sindical (CUT, CTB, INTERSINDICAL, Industriall, Confederação Sindical Internacional - CSI, ANAMATRA, ALAL, ANPT, ABRAT, DIEESE).

    Coffee break

    Conferência de encerramento (17h30 – 19h)
    A Terceirização: precarização, desafios e possibilidades de superação no mundo do trabalho contemporâneo.
    Conferencista: Prof. Dr. Ricardo Antunes, Professor Titular de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.

    Coordenação: Profª. Drª. Gabriela Neves Delgado – Professora Adjunta de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – Líder do Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania”.

    Debatedores: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, e Helder Santos Amorim, Procurador do Trabalho.

    19h - Saudação de encerramento: Ricardo Paiva, Representante do MHUD.

    19h30 – Plenária Final – encaminhamentos.



    CONFIRA AQUI O MATERIAL DISPONIBILIZADO PARA O SEMINÁRIO.

    quarta-feira, 25 de junho de 2014

    O Supremo e a repercussão geral no caso da terceirização de atividade-fim de empresas de telecomunicações: o que está em jogo?


    Vitor Filgueiras * 
    Renata Queiroz Dutra** 

    INTRODUÇÃO 
    O Supremo Tribunal Federal tem assumido uma postura de protagonismo em  relação ao julgamento de uma questão fundamental concernente à regulação das relações de trabalho no Brasil hoje: a terceirização. 

    Em 2011, o STF, no julgamento relativamente rápido[1] da ADC 16/DF, disciplinou a responsabilidade da Administração Pública pela terceirização de serviços contratados nos termos da Lei nº 8.666/93. O fez por meio de análise apartada dos valores sociais do trabalho, que culminou por isentar de responsabilidade, como regra, os entes públicos tomadores de serviços, estabelecendo que a quitação dos haveres trabalhistas deve ser resolvida, prioritariamente, entre os trabalhadores terceirizados e as pessoas jurídicas interpostas (empresas prestadoras de serviços). 

    Recentemente, em decisão que alarmou o movimento sindical, os agentes de regulação institucional e os estudiosos do mundo do trabalho, a Corte Constitucional reconheceu a repercussão geral da licitude da terceirização de atividade-fim, à luz da liberdade de contratar inserta no art. 5º, II, da Constituição Federal (ARE 713.211/MG, relatoria do Ministro Luiz Fux). A possibilidade de romper com o até então estável entendimento do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria, consolidado nos termos da Súmula nº 331 daquele Tribunal trabalhista, aponta para uma abertura para a terceirização maior até do que a intentada pelo patronato pela via legislativa (conferir, por exemplo, os termos do PL 4330). 

    O setor de telecomunicações não ficou de fora dessa investida empresarial sobre a Suprema Corte: foi reconhecida no plenário virtual a Repercussão Geral nº 739[2], no bojo ARE 791932, de relatoria do Min. Teori Zavaski, por 9 dos 11 Ministros do STF. 

    Importante observar que dos 9 Ministros que votaram pela repercussão geral, 8 entenderam que havia questão constitucional quanto à matéria. Apenas a Ministra Rosa Weber reconheceu a repercussão geral para pontuar que não havia questão constitucional em relação ao tema. 

    Os Ministros entenderam que há repercussão geral na alegação recursal de que, quando o Tribunal Superior do Trabalho reconhece a ilicitude da terceirização de atividade de call center pelas empresas de telecomunicações, deixa de aplicar o art. 94, II, da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT), de modo que, ainda que não tenha declarado a inconstitucionalidade desse dispositivo legal, viola a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal [3]) . 

    Embora aparente que a questão recursal reveste-se de contornos meramente  formais, que podem dar ensejo a uma mera determinação do Supremo no sentido de que  o TST submeta a questão ao seu Plenário, para sanar o problema do quórum exigido pelo art. 97 da Constituição Federal, é importante ter em mente que, de acordo com a sistemática processual da repercussão geral hoje em vigor, nada impede que, ao decidir a questão processual à qual se atribuiu repercussão geral, o Supremo prossiga no julgamento para enfrentar a questão de mérito relativa à possibilidade ou não de o art. 94, II, da LGT autorizar a terceirização de atividade-fim por parte das empresas de telecomunicações. O fazendo, a Corte atribuiria repercussão geral ao seu entendimento, vinculando todos os demais órgãos do Judiciário e encerrando a possibilidade de recurso extraordinário sobre o tema. 

    Assim sendo, a questão adquire relevância para a regulação do trabalho no país:  primeiro, pela exceção que representa em relação à regra geral firmada hoje no  ordenamento, no sentido de que a terceirização de atividade-fim é ilícita, visto que se  caracteriza como intermediação de mão de obra e implica rebaixamento das condições de trabalho [4]. Segundo, pela possibilidade de o Poder Judiciário reconhecer e legitimar a possibilidade de terceirização justamente em um setor em que a estratégia da forma de contratação tem contribuído para provocar a precarização das condições de trabalho e a precariedade das condições de vida dos trabalhadores envolvidos, notadamente no que concerne à sua saúde. 

    A pergunta, portanto, consiste em compreender porque excepcionar das  responsabilidades trabalhistas, a partir de uma leitura ampliativa de um diploma  normativo que cuida dos termos da concessão administrativa dos serviços de  telecomunicações (e não da disciplina das relações de trabalho), um setor econômico que, apesar de encontrar-se em franco crescimento, tem sacrificado uma massa de trabalhadoras jovens com uma organização do trabalho que impõe intensidade no  emprego da força de trabalho, assédio subjetivo e condições físicas ofensivas à saúde. E a porta de entrada e elemento essencial desse processo não tem sido outra que não a terceirização, com seu imediato distanciamento do tomador de serviços das responsabilidades pela condição de trabalho oferecida aos trabalhadores e afastamento  do trabalhador das categorias sindicais mais sólidas e representadas pelo sindicato dos empregados das empresas concessionárias dos serviços de telecomunicações. 

    A disputa entre capital e trabalho se reproduz nas esferas de regulação e, certamente, os interesses envolvidos nesse conflito pressionam e operam na formação do convencimento dos julgadores do STF a respeito do tema. O trânsito que o lobby das grandes empresas do setor de telecomunicações terá nos bastidores do julgamento é previsível. Resta saber o peso que os trabalhadores envolvidos no processo e a perspectiva de esgotamento de sua saúde poderá ter em contrapartida. 

    Para acessar a íntegra do texto, clique aqui.
    _______________________

    *Doutor em Ciências Sociais (UFBA), pós-doutorando em Economia (UNICAMP), Pesquisador de Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP, auditor fiscal do Ministério do Trabalho. 

    **Mestre e Doutoranda em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília. Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho. 

    Ambos os autores integram o grupo de pesquisa “Indicadores de Regulação do Emprego”, sendo o presente texto desenvolvido no curso das atividades do grupo (http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br). Agradecemos a Daniel Soeiro Freitas pelo diálogo a respeito das ideias suscitadas no texto, assumindo integral responsabilidade por seu conteúdo. 

    [1] Basta observar que a referida ação declaratória de constitucionalidade fora proposta em 2007, ao passo que, por exemplo, a ADI nº 1625, a respeito da denúncia pelo Estado Brasileiro da Convenção nº 158 da OIT, que repele a dispensa imotivada, a qual foi ajuizada em 1997 e ainda encontra-se pendente de conclusão do julgamento. 

    [2]  Decisão proferida em sede de recurso extraordinário interposto contra o acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em voto de relatoria do Ministro Hugo Carlos Scheuermann no processo nº TST-AIRR-27-97.2012.5.03.0019, em que foi confirmada decisão do 3º TRT (Minas Gerais),  que considerou ilícita a terceirização de call center no setor de telecomunicações e reconhece o vínculo empregatício diretamente com a empresa tomadora de serviços. 

    [3] Dispõe o art. 97 da Constituição: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público".

    [4] Dentre os tantos indicadores que demonstram a relação entre terceirização de atividade fim e precarização do trabalho, ver: FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e trabalho análogo ao escravo: 

    sexta-feira, 6 de junho de 2014


    Terceirização e trabalho análogo ao escravo: coincidência?

    Vitor Araújo Filgueiras[1]


    Dois dos fenômenos do chamado mundo do trabalho mais divulgados, pesquisados e debatidos no Brasil nas últimas duas décadas são a terceirização e o trabalho análogo ao escravo.
    Esse dois fenômenos estão envoltos em ferrenha disputa no bojo das relações entre capital e trabalho, assim com no conjunto da sociedade, pois constituem, respectivamente, estratégia central no atual perfil predominante de gestão do trabalho e o limite do assalariamento no capitalismo brasileiro.
    Não por acaso, a luta tem início na definição dos seus próprios conceitos, em dois níveis: 1- na apreensão de suas naturezas e características enquanto fenômenos sociais; 2- na demarcação dos limites e conteúdos da sua regulação, especialmente pelo Estado, também denominada como definição jurídica.
    A forma de apreensão do primeiro condicionará fortemente a tomada de decisões que constitui o segundo. Afinal: o que é trabalho análogo ao escravo? O que é terceirização?
    Sendo as normas relações sociais, eles existem na medida em que se impõem em determinados tempo e espaço, por e entre entre determinados agentes, sejam eles objetos ou executantes da regulação (isso vale para portarias, leis, regras, princípios, ou qualquer que seja a designação dada à relação social). Destarte, não existe uma verdade abstrata ou a priori de norma nenhuma, ou a “correta interpretação da norma”. A fronteira da legalidade é aquela que se impõe pelos agentes que disputam a interpretação dos textos (e quaisquer outros instrumentos) e desse modo constituem a regra. Não compreender isso é fetichizar o direito e inserir no plano místico qualquer tentativa de debate[2].
    Assim, neste pequeno texto acerca da relação entre terceirização e trabalho análogo ao escravo, não será feito qualquer discurso retórico que aspire prescrever que “isso” ou “aquilo” é legal ou ilegal. Mesmo a análise da legalidade no mundo real, ou seja, das relações concretamente estabelecidas entre os agentes de regulação, não fará parte do escopo do artigo, dentre outras razões, pela conjuntura de sua mutabilidade.
    Estamos na iminência de possível inflexão da regulação da terceirização e do trabalho análogo ao escravo no Brasil. Quanto a este último, foi promulgada ontem (05/06/2014) emenda à Constituição que prevê a expropriação de propriedade na qual for flagrada a exploração de trabalhadores nessas condições. Contudo, empregadores urbanos, rurais e suas entidades representativas estão tentando aproveitar essa mudança para regulamentar a emenda alterando o conceito de trabalho análogo ao escravo, restringindo o crime à coerção individual direta e, com isso absolvendo todas as formas de exploração típicas da coerção do mercado de trabalho, que são aquelas próprias do capitalismo[3].
    Quanto à terceirização, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reconhecer repercussão geral à decisão que será tomada em processo sobre o tema[4], que servirá como referência para todas as ações que tramitam atualmente e que venham a subir ao Supremo. Desse modo, servirá como precedente fortíssimo à atuação de todo o Judiciário, demais instituições de regulação do trabalho e, em especial, às empresas.
    Em suma, o STF poderá dar enorme contribuição à restrição ou flexibilização das fronteiras efetivamente estabelecidas pelas instituições do Estado, até momento, no tratamento da terceirização.
    Neste momento crítico, o objetivo geral deste breve artigo é apresentar algumas características da natureza dos fenômenos a partir da relação entre eles, seja lá qual for a regulamentação que o Estado estabeleça sobre eles.
    Assim busca-se contribuir com algumas luzes sobre o que, de fato, são terceirização e trabalho análogo ao escravo, para que se tenha consciência sobre o que se está atuando, seja combatendo, consentindo ou estimulando.
    O objetivo específico do artigo é apresentar subsídios à pergunta do seu título: a relação entre trabalho análogo ao escravo e terceirização é contingencial? O principal argumento defendido, com base em uma série de indicadores, é que existe forte relação entre a ocorrência de trabalho análogo ao escravo e a terceirização. Isso porque o trabalho análogo ao escravo no Brasil é limite da relação de emprego, e a terceirização é uma estratégia de gestão do trabalho que objetiva justamente driblar esses limites (seja ele representado por sindicato, direito do trabalho, etc.) impostos ao assalariamento. É essa relação que explica a ampla prevalência de trabalhadores terceirizados entre aqueles submetidos s condições análogas à de escravos.
    A análise do texto é baseada no universo dos relatórios de ações de combate ao trabalho análogo ao escravo do Ministério do Trabalho. Trata-se, portanto, da totalidade dos resgates ocorridos no país nos anos investigados, quais sejam: 2010, 2011, 2012 e 2013. Além dos dados agregados, foi observada e incidência da terceirização à luz da condição de formalização dos trabalhadores e por atividade econômica selecionada.




    [1] Doutor em Ciências Sociais (UFBA), pós-doutorando em Economia (UNICAMP), Pesquisador de Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP, auditor fiscal do Ministério do Trabalho, integrante do grupo de pesquisa “Indicadores de Regulação do Emprego”, sendo o presente texto desenvolvido no curso das atividades do grupo (http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br).
    Agradeço às críticas de Dari Krein, Carla Gabrieli, Ilan Fonseca, Renata Dutra. Assumo integralmente a responsabilidade pelo conteúdo e eventuais inconsistências do texto
    [2] Uma análise sobre o tema consta no capítulo 3 de FILGUEIRAS, Vitor. Estado e direito do trabalho no Brasil: regulação do emprego entre 1988 e 2008. Salvador, UFBA, 2012. Disponível em: http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br

    [3] Ver, por exemplo: “Ruralistas tentam descaracterizar o que é trabalho escravo” (obtido em http://www.trabalhoescravo.org.br/noticia/70.), dentre muitas fontes existentes. Sobre a dinâmica de disputa pela regulação, ver: FILGUEIRAS, Vitor. Trabalho análogo ao escravo e o limite da relação de emprego: natureza e disputa na regulação do Estado. Brasiliana – Journal for Brazilian Studies. Vol. 2, n.2, Out. 2013.

    [4] O Ministro Luiz Fux deu provimento ao recurso patronal de embargos declaratórios em recurso extraordinário com agravo ARE 713211 MG (STF) -, integralmente acompanhado pelos demais componentes da Turma, para reconhecer repercussão geral ao tema da terceirização de atividade-fim, no dia 1º de abril de 2014. 

    segunda-feira, 2 de junho de 2014


    Em 2014, o empresariado brasileiro elegeu a Norma Regulamentadora (NR) 12 do Ministério do Trabalho (MTE), que versa sobre segurança do trabalho em máquinas e equipamentos, como uma das suas principais pautas de reivindicações.

    A NR 12 (que existe desde 1978) teve sua redação alterada em dezembro de 2010, e tem sido crescentemente criticada pelo patronato nos últimos anos[1], sendo inserida num conjunto de mobilizações capitaneadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e Confederação Nacional da Indústria (CNI)[2].

    Há diversos documentos empresariais, reportagens, eventos, entrevistas, com reclamações direcionadas à redação de 2010 da NR 12, por supostos: altos custos para sua adoção, complexidade, abrangência (alegação de incremento de 40 para 340 itens na norma), inviabilização das empresas, risco aos empregos. A demanda mais recorrente das empresas era pela dilação de prazos para aplicação da NR 12[3]. Ano passado chegou a ser ventilada a suspensão da referida norma no Congresso Nacional.

    Neste ano, as empresas e seus representantes têm atuado em diversas frentes, como o Ministério do Trabalho (MTE) e a Justiça do Trabalho, para encaminhar seus pleitos concernentes à NR 12. Seu plano atual é sintetizado e radicalizado pela proposta de sustar os efeitos da norma por meio do Legislativo.

    Neste são apresentados indicadores que permitem analisar, com amparo em informações e dados empíricos, a procedência das alegações das entidades patronais concernentes à NR 12. Os indicadores também contribuem para apreender as características do tratamento dado à integridade física dos trabalhadores brasileiros por seus empregadores, no que tange à observância de condições mínimas de segurança no maquinário utilizado.

    Os principais indicadores foram construídos fundamentalmente a partir de duas bases de informações: o universo das fiscalizações do MTE (por meio do SFIT (Sistema Federal de Inspeção do Trabalho)), desde 1997 até abril de 2014; e a base de dados de Previdência Social, especialmente por meio das Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT) efetuadas pelos empregadores. Os indicadores construídos são cruzados com algumas referências e outras publicações. Além disso, o texto apresenta algumas fontes e informações concernentes à NR 12 deliberadamente omitidas pela ofensiva empresarial.
    O TEXTO INTEGRAL PODE SER ACESSADO PELO LINK ABAIXO:




    [1] Dentre os muitos exemplos possíveis, apenas para ilustrar, ver documento elaborado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) no final de 2012, intitulado “101 Propostas para Modernização Trabalhista” (CNI. 101 propostas para modernização trabalhista / Emerson Casali (Coord.) – Brasília: 2012.).
    [2] Sobre as ações empresariais, particularmente no que tange à inspeção do trabalho, ver FILGUEIRAS, Vitor. Padrão de atuação da fiscalização do trabalho no Brasil: mudanças e reações. Campinas, 2014. Disponível em http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br
    [3] Por exemplo, em reunião com o atual e o ex-ministro do trabalho, representante da FIRJAN pediu prorrogação do prazo para cumprimento da NR 12 (Ministro comenta na Firjan NR-12 e terceirização. Durante encontro com presidente da entidade, Manoel Dias ouviu as principais reivindicações do setor. 05/08/2013. http://portal.mte.gov.br/imprensa/ministro-debate-nr-12-e-terceirizacao-com-empresarios-na-firjan/palavrachave/firjan-manoel-dias.htm)



    terça-feira, 20 de maio de 2014

    Muito além da formalização



    Longe de atenuar a depredação do trabalho no Brasil
    Vitor Araújo Filgueiras[1]
    A expansão da formalização do vínculo empregatício é um processo importante para a melhora das condições de vida do conjunto dos trabalhadores assalariados no mercado de trabalho brasileiro.
    Há pesquisas e fontes periódicas (como a PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) que indicam que os empregados formalizados detêm melhores condições de trabalho em comparação aos informais. Por exemplo, os empregos formais têm, em média, remuneração maior e carga horária menor em relação aos assalariados sem formalização.
    A formalização tende a ser, enquanto política pública, um passo para a melhora da qualidade do emprego, pois assegura diretamente alguns direitos (é pré-requisito de alguns), e ajuda a incitar o cumprimento de outros. Contudo, a formalização do emprego está muito longe de ser suficiente para garantir bons postos de trabalho. Além de possuir efeitos limitados, a mera formalização pode até mesmo dificultar o acesso a direitos, por conta das atuais estratégias de gestão do trabalho e sua regulação no Brasil (especificamente, a terceirização).
    Seguem abaixo alguns indicadores construídos a partir do total de ações de combate ao trabalho análogo ao escravo (realizadas pelo MTE) nas quais houve flagrante de trabalhadores em tal situação, em 2013.
    Sobre empregos formais em geral:
    1) Em no mínimo 18% do total das ações nas quais houve resgates de trabalhadores em condição análoga à de escravo ocorridos em 2013, todos os empregados já estavam formalizados quando da inspeção do Ministério do Trabalho.
    2) Em no mínimo 32,88% dos casos ao menos 1 trabalhador resgatado já estava formalizado antes da fiscalização. Ou seja, praticamente 1/3 dos resgates efetuados em 2013 tinham trabalhadores formais entre as vítimas.
    3) No total das ações do Ministério do Trabalho em 2013, foram resgatados em condições análogas à de escravos, no mínimo, 673 trabalhadores com vínculo formalizado, de um total de 2063 trabalhadores flagrados nessa condição de máxima exploração. Isso equivale a praticamente 1/3 (32,62%) do total de trabalhadores.
    Sobre empregos formalizados com uso de terceirização:
    4) Entre os resgates ocorridos em 2013, nos 8 maiores casos em que o totalidade dos trabalhadores eram formais (entre 20 e 93 trabalhadores resgatados), todos eles eram terceirizados formalizados por figuras interpostas.
    5) Já no grupo de resgates com parte dos trabalhadores com vínculo formalizado, das 10 maiores ações (de 23 a 173 trabalhadores resgatados), em 9 os trabalhadores formais resgatados eram terceirizados.





    [1] Doutor em Ciências Sociais (UFBA), pós-doutorando em Economia (UNICAMP), Pesquisador de Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP, auditor fiscal do Ministério do Trabalho, integrante do grupo de pesquisa “Indicadores de Regulação do Emprego”, sendo o presente texto desenvolvido no curso das atividades do grupo (http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br).
    Agradeço às críticas de Dari Krein, Carla Gabrieli, Ilan Fonseca, Marlon Nunes, Renata Dutra. Assumo integralmente a responsabilidade pelo conteúdo e eventuais inconsistências do texto.

    sexta-feira, 9 de maio de 2014


    Um dos eixos das investigações do grupo de pesquisa "indicadores de regulação do emprego" é a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT).
    Após compilar, sistematizar e analisar alguns indicadores da postura do MPT na Bahia, o procurador do trabalho Ilan Fonseca apresenta novas informações concernentes à Procuradoria da 14a Região, que contempla os estados do Acre e Rondônia.
    O material pode ser acessado pelo link abaixo:
    Rondônia e Acre: ação civil pública como estratégia de efetivação de direitos fundamentais trabalhistas

    Ou pelo site Jus Navigandi:
    http://jus.com.br/artigos/28363/rondonia-e-acre-acao-civil-publica-como-estrategia-de-efetivacao-de-direitos-fundamentais-trabalhistas

    Fonseca demonstra que na Procuradoria da 14a Região, do mesmo modo que já havia apurado na Bahia (5a Região), cresceu o número de ações judiciais promovidas pela MPT contra os empregadores infratores.
    Esse e outros indicadores apresentados pelo autor incitam a investigação de uma série de fatos associados para apreender a natureza, a dimensão, as consequências e os fatores que explicam essa mudança, como a forma de condução dos procedimentos administrativos, o conteúdo e relevância dos pedidos judiciais, a mensuração do desfecho dos processos, etc.
    O aprofundamento da pesquisa deve trazer luzes as essas e outras questões, podendo servir como subsídio à análise da atuação das instituições de vigilância do direito do trabalho enquanto promotoras da efetividade das normas trabalhistas.

    Rondônia e Acre: ação civil pública como estratégia de efetivação de direitos fundamentais trabalhistas.

    Por Ilan Fonseca de Souza[i].

    O objetivo do presente artigo é demonstrar que houve uma alteração no comportamento do Ministério Público do Trabalho nos Estados de Rondônia e Acre. Da mesma forma como ocorreu na Bahia, a busca pela responsabilização dos infratores através de ações judiciais foi fortemente incrementada ao longo dos quatro últimos anos.

    Foi realizado um levantamento estatístico envolvendo a Procuradoria do Trabalho da 14ª Região, Procuradoria esta responsável pelos Estados de Rondônia e Acre.
    A finalidade foi identificar se houve alguma mudança no que tange à quantidade de ações civis públicas e demais espécies de ações ajuizadas nos últimos anos.
    A pesquisa foi feita através de consulta ao sistema do Ministério Público do Trabalho, intitulado “MPT Digital”, com a utilização de chaves de busca tais como “ação civil pública” e “procedimentos de acompanhamento judiciais” autuados no período alcançado de 2010 a 2013. Tanto a Sede em Porto Velho, situada em Rondônia, quanto as Procuradorias do Trabalho nos Municípios de Ji-Paraná e na capital do Acre, Rio Branco, foram contempladas. Assim, a pesquisa envolveu ações civis públicas (ACPs), execuções de termos de ajuste de conduta (ExTACs) e outras ações ajuizadas nos últimos quatro anos.
    Da mesma forma como ocorreu no Estado da Bahia[ii] o que se observou é que houve uma forte mudança no quantitativo de ações ajuizadas, o que sugere uma maior adoção da via judicial como forma de combate às infrações trabalhistas de amplo espectro.
    Assim é que a quantidade de ações judiciais – ACPs, ExTACs e outras – distribuídas aumentou drasticamente, passando de um total de 31 ações ajuizadas no ano de 2010, para um total de 134 ações ajuizadas no último ano (2013).




    [i] Ilan Fonseca de Souza é Procurador do Trabalho na 5ª Região (Bahia), com especialização em Processo Civil.
    [ii] Souza, Ilan. MPT da Bahia mudou e ações civis públicas aumentaram. 2014. (Disponível em < http://www.conjur.com.br/2014-fev-12/ilan-fonseca-mpt-bahia-mudou-acoes-civis-publicas-aumentaram> acesso em 14.03.2014)

    segunda-feira, 7 de abril de 2014


    Navio negreiro do capitalismo contemporâneo não precisa de correntes
    Na última terça-feira (01/04/2014) foram resgatados onze trabalhadores em condição análoga à de escravos em um cruzeiro de luxo que passava por Salvador. A notícia foi divulgada em diversos meios de comunicação[1], inclusive na grande mídia nacional[2] e internacional[3].
    Muitos comentários dos leitores dessas notícias corroboram o cenário geral da disputa em torno do conceito de trabalho análogo ao escravo no Brasil, da compreensão da natureza das relações de trabalho na nossa sociedade e dos limites à exploração do trabalho no bojo da produção da riqueza privadamente apropriada.
    Provavelmente, a grande repercussão do resgate no cruzeiro de luxo está relacionada ao fato de ter sido o primeiro realizado nesse setor, associado ao perfil dos trabalhadores resgatados. Eles são jovens, mas não necessariamente pobres, e têm participação no ensino formal superior à média nacional.
    Nos comentários dos leitores anexados às notícias sobre a fiscalização surgem afirmações condenando a ação do Estado: “eles não estavam presos”, “foram porque queriam” e “iriam ganhar bem”, são alguns dos conteúdos presentes.
    De fato, os trabalhadores resgatados não estavam presos, nem amarrados a correntes no navio. Contudo, isso não diminui a gravidade da situação constatada pelas instituições do Estado lideradas pela fiscalização do trabalho. Pelo contrário, é um quadro tão cruel quanto aquele vivido pelos escravos do século XIX, cujo consentimento, longe de atenuante, é agravante para o disfarce e legitimação dessa forma de exploração.
    É preciso entender o que é o trabalho análogo ao escravo (e, por conseguinte, o que as instituições de vigilância do direito do trabalho fizeram) para ter a dimensão do que esse resgate significa para regulação do mercado de trabalho e qualquer pretensão civilizatória em nosso país.
    A produção da riqueza social no Brasil atual se assenta em forma de organização do trabalho distinta daquela do período escravocrata pré-1988. Naquele tempo era necessária a coerção direta de um individuo sobre outro para extração do excedente de riqueza, processo garantido pelo Estado por meio da propriedade de um indivíduo por outro.
    Há mais de um século, a mobilização laboral dos indivíduos despossuídos, em regra, é viabilizada pela coerção que o mercado de trabalho exerce sobre eles, garantida pelo Estado por meio de propriedade privada dos meios de produção.
    O que une os escravos juridicamente constituídos no Brasil e os trabalhadores assalariados em situação análoga à de escravos? A identidade se dá pela natureza e objetivos da relação que os subordina. Deixada ao curso de sua natureza histórica, a relação tende à exploração do trabalho sem limite prévio, em todos os aspectos, podendo incluir a eliminação física do trabalhador. Apenas para ilustrar, a professora Maria Aparecida Silva demonstrou como a força de trabalho de cortadores de cana no Brasil tem vida útil menor do que na época da utilização do trabalho escravo tradicional, com registro de diversos casos de morte por exaustão decorrentes do excesso de trabalho.
    No caso do navio de cruzeiro onde foram resgatados os trabalhadores na última semana, foram registrados regimes de trabalho que chegavam a duzentos dias seguidos, sem nenhum dia de descanso. Não bastasse trabalharem todos os dias, os empregados tinham como jornada diária mínima 11 horas de trabalho, que frequentemente atingiam 16 horas por dia.
    Não parece ser coincidência que houve ao menos três mortes e um desaparecimento de trabalhadores brasileiros em cruzeiros nos últimos anos[4], sendo que em um dos casos foi efetuado laudo pela inspeção do trabalho, que concluiu pelo nexo entre o infortúnio e o trabalho, dentre outros, pela fadiga da empregada após ter trabalhado sem nenhum dia de folga por 193 dias seguidos, com uma jornada diária superior a 11 horas.
    Sem entrar no mérito das humilhações e demais violações aos direitos humanos às quais estavam expostos os trabalhadores no cruzeiro, estamos tratando de consumo físico destruidor do próprio empregado no processo de produção e apropriação da riqueza social.
    Na nossa sociedade, em regra, as pessoas não precisam ser coagidas diretamente por determinado indivíduo para laborar, pois, com exceção dos proprietários, o restante da população é obrigado a vender sua força de trabalho para se reproduzir física e socialmente. Por isso, os trabalhadores contemporâneos, mesmo destinatários de liberdades individuais, podem ter que se submeter a qualquer tipo de condição de trabalho, eventualmente semelhantes ou piores do que aquelas vividas pelos escravos típicos. Essa submissão possui requinte de crueldade, pois, dadas a liberdade individual do proprietário da força de trabalho e sua necessidade de venda compulsória, há normalmente o consentimento imediato do explorado à sua situação.
    Ocorre que, ao contrário do século XIX, hoje o Estado é impelido a prescrever e tentar implementar limites à exploração do trabalho. No Brasil, além de limites internos à relação de emprego (como salário mínimo, registro do empregado), existem limites à existência da própria relação. Esse limite essencial é justamente o conceito de trabalho análogo ao escravo. É um limite à exploração do trabalho assalariado que, se ultrapassado, ou seja, se as condições de trabalho verificadas se tornam semelhantes à dos escravos, o Estado não admite a relação e a desconstitui (rescinde o contrato).  É nesses termos que ocorre o resgate de trabalhadores, como no caso do cruzeiro de luxo.
    Esse limite é previsto no código penal, artigo 149, que tipifica as ações que caracterizam o trabalho análogo ao escravo, as quais podem ser encontradas separadamente ou até concomitantemente numa situação concreta. Dentre eles estão: submeter trabalhadores a condições degradantes e impor jornadas exaustivas de trabalho (como foi constatado no cruzeiro de luxo), situações que não dependem necessariamente da coerção individual direta sobre o trabalhador, constituindo assim limites à coerção do mercado de trabalho, típica da nossa sociedade.
    Trata-se, portanto, de um limite mínimo à civilidade do tipo de sociedade instaurada em nosso país.

    Segue abaixo link para texto publicado sobre o tema na revista Brasiliana.