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Padrão de atuação da fiscalização e reações
A introdução segue no corpo desta página:
Padrão de atuação da
fiscalização do trabalho no Brasil: mudanças e reações
Introdução
A inspeção (ou
fiscalização) do trabalho existe no Brasil, como instituição estável, desde a
primeira metade do século XX, sempre inserida no Ministério do Trabalho (MTE).
Ela tem como objetivo, segundo expressamente consta em seus próprios
fundamentos, contidos no Regulamento da
Inspeção do Trabalho (Decreto 4552/2002):
O Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, a cargo do
Ministério do Trabalho e Emprego, tem por finalidade assegurar, em todo o
território nacional, a aplicação das disposições legais, incluindo as
convenções internacionais ratificadas, os atos e decisões das autoridades
competentes e as convenções, acordos e contratos coletivos de trabalho, no que
concerne à proteção dos trabalhadores no exercício da atividade laboral.
Esse
decreto especifica e é coerente com a previsão da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) de que incumbe às autoridades competentes do Ministério do
Trabalho “a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao
trabalho”.
Assim,
afirmar que a fiscalização do trabalho se propõe a buscar a
efetividade das disposições legais (leis,
normas ou regras, para fins da presente análise utilizadas como sinônimos) não é
lhe imputar, arbitrariamente, missões, mas considerar sua atuação à luz do
objetivo que manifestamente a constitui. Portanto, a inspeção não se propõe a
dar migalhas pontuais de contribuição à efetividade das normas. Mesmo que não
se espere que ela garanta seu cumprimento integral (e, de fato, as condições
humanas e materiais da instituição praticamente inviabilizam, ex ante, essa hipótese), é plausível
presumir, no mínimo, que a fiscalização aja de modo a impelir a obediência aos
direitos previstos. Se os resultados são também condicionados por
diversos outros agentes e fatores (mercado de trabalho, organização sindical,
etc.), a fiscalização deve ao menos agir de forma a promover o cumprimento das
normas dentro do seu campo de influência. Destarte, é esperado que as ações da auditoria do trabalho incentivem o
cumprimento das normas pelos empregadores, e não o afastamento delas.
Quem cumpre (ou não) as
normas trabalhistas é o empregador. A fiscalização do trabalho atua quase
sempre por meio de instrumentos para incitar o patrão a obedecer às regras.
Apenas em raros casos a inspeção efetiva diretamente o direito do trabalhador[2].
Além disso, a fiscalização do trabalho é amostral, não abarca todas as empresas
existentes no país.
O objetivo deste texto
é descrever a dinâmica recente do padrão de fiscalização (modus operandi) do MTE, a partir de sua característica essencial,
qual seja: o tratamento dado aos empregadores infratores para incentivar (ou
não) o cumprimento das normas de proteção ao trabalho. Complementarmente,
busca-se descrever e analisar as reações do patronato às recentes mudanças
identificadas na atuação da inspeção trabalhista brasileira.
Historicamente a fiscalização
do trabalho no Brasil tem adotado, em geral, uma postura conciliatória com os
empregadores que cometem ilicitudes. Flagrados descumprindo a legislação, os
empresários recebem, predominantemente, chance(s) de regularizar sua conduta
sem qualquer perda financeira imposta pelos auditores fiscais.
A partir de fins da
primeira década de 2000 o padrão de atuação da fiscalização começou a se
alterar, registrando elevação significativa de ações impositivas sobre os
infratores. Essa mudança, recrudescida ano após ano, tem provocado fortes reações
dos interesses empresariais, dentro e fora do MTE, que atingiram seu ápice no
ano de 2013 (ao menos por enquanto).
Este breve texto
apresenta alguns dos principais dados existentes para analisar o padrão de
atuação da fiscalização a partir do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT)[3].
As considerações sobre a reação dos
capitalistas são baseadas em diversas fontes documentais, depoimentos e
reportagens, que, ressalte-se, corroboram os argumentos apresentados sobre o modus operandi da inspeção do trabalho
no Brasil.
O Estado é uma relação que,
além de ser de dominação (e também por isso, dadas as características do Estado
capitalista), é também um espaço de disputa entre as classes sociais. O direito
do trabalho e a inspeção do trabalho, como conjunto de normas que (se
aplicadas) limitam a exploração do trabalho e instituição responsável por sua
efetivação, são, por definição, campos e produtos, em ininterrupto processo, dessa
contenda. Por isso, mesmo que os agentes que executam a fiscalização,
individualmente considerados, não tenham consciência do papel que realizam, eles
estão inseridos e necessariamente fazem parte dessa luta, pois suas ações são
parte e têm consequências na relação entre capitalistas e trabalhadores.
Do mesmo modo, é a
atuação dos fiscais, e não suas intenções, que regula o assalariamento,
condicionando a ação dos capitalistas. Uma vez praticadas as ações fiscais, seus
corolários independem de motivação ou retórica do auditor, mas sim da natureza
da relação social denominada capital, e vão contribuir para a reprodução ou
alteração do tipo de hegemonia vigente no Brasil, um “mundo do trabalho” mais
ou menos precário.
[1]
Doutor em Ciências Sociais (UFBA), pós-doutorando em Economia (UNICAMP),
auditor fiscal do Ministério do Trabalho, integrante do grupo de pesquisa
“Indicadores de Regulação do Emprego”, sendo o presente texto desenvolvido no
curso das atividades do grupo (http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br).
[2]
Por exemplo, na anotação administrativa (pelo próprio MTE) de carteira de
trabalho prevista na CLT e emissão de guia de seguro em caso de resgate de
trabalhadores em situação análoga à de escravos.
[3]
O SFIT é um sistema que armazena informações de todas as fiscalizações
realizadas no Brasil desde 1995. Detalhes sobre a fiscalização do trabalho, o
SFIT, bem como utilização de diversos outras fontes e indicadores constam em
Filgueiras (FILGUEIRAS, Vitor. Estado e direito do trabalho no Brasil:
regulação do emprego entre 1988 e 2008. Salvador, UFBA, 2012. Disponível em: http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br).
[4]
No plano teórico, trata-se de um fato amplamente aceito, desde os primórdios das
ciências sociais - de Marx (MARX, Karl. O capital: crítica da economia política.
São Paulo: Civilização Brasileira, 2002.) a Weber (WEBER, Max. A ética
protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2003), passando pela teoria econômica ortodoxa, apesar das
diferentes perspectivas, inclusive epistemológicas -, que o capital objetiva o
lucro, e de modo compulsivo, tendendo a buscar subverter ou atropelar os
obstáculos que se apresentam à sua livre reprodução.
[5]
Sobre a relação entre cumprimento dos direitos trabalhistas e comportamento
empresarial, ver, mais uma vez, Filgueiras (2012), especialmente capítulos 5 e
9.
[6]
Que ocorre por meio dos instrumentos
disponíveis aos auditores em suas rotinas, quais sejam: autuação (processo que
origina a multa) e interdição/embargo de máquina, setor, obra, estabelecimento.
Estes últimos não são considerados juridicamente como sanções, mas impõem a
norma sobre os infratores e implicam redução de lucro.
[7]
Média aproximada da relação entre número anual de empresas fiscalizadas,
informadas pelo MTE, e número total de empregadores existentes no Brasil,
segundo dados ponderados do IBGE e da RAIS.
[8]
Entrevistas com auditores, empresários, pesquisas, documentos, dados do
Ministério do Trabalho, etc.
[9]
O SFIT apresenta os dados das ações fiscais
discriminando as áreas de legislação e saúde/segurança do trabalho. É precisar
atentar para o fato de que não é possível somar o número de empresas
fiscalizadas das duas áreas, pois há sobreposição parcial desse dado (uma mesma
fiscalização pode ter sido computada para as duas áreas). Os autos lavrados e
irregularidades detectadas, por outro lado, não se sobrepõem.
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